O presidente-executivo da Vale, Murilo Ferreira, é o nome mais desejado hoje pelo Palácio do Planalto para assumir a presidência do Conselho de Administração da Petrobras. A ida de Ferreira para a Petrobras, contudo, em lugar de “profissionalizar” a estatal, como pretende o governo, pode causar mais problemas: conflito de interesses entre as companhias.
Vale e Petrobras têm projetos em comum em andamento, como uma parceria para explorar potássio e a operação de um terminal portuário, ambos em Sergipe.
De acordo com o capítulo “Dever de Lealdade” da Lei das Sociedades Anônimas, o gestor de uma empresa tem por obrigação proteger os direitos da companhia e “aproveitar oportunidades de negócios”, entre outros deveres.
Assim, em eventuais disputas com a Petrobras, Ferreira teria de brigar pela Vale, sob o risco de ser processado na Justiça por acionistas minoritários.
Para a advogada Norma Parente, ex-diretora da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e uma das responsáveis pela reformulação da Lei das S.A., há uma previsão legal de não indicar pessoas para o conselho quando há conflito de interesses.
Existe, porém, uma brecha: a assembleia geral de acionistas pode dispensar essa restrição caso julgue que o nome contribuirá para a gestão, segundo ela.
De todo modo, diz, em algumas matérias que envolvam as duas empresas ou afetem os interesses de ambas, Ferreira teria de se abster de votar –o que é mais grave no caso de um presidente de conselho. Se assumir o posto, o executivo terá ainda de assinar uma declaração informando estar ciente das limitações eventualmente impostas por conflitos.
Procurado pela Folha, Ferreira disse, por meio da assessoria da Vale, que não falaria sobre o assunto. Murilo ainda não deu uma resposta oficial para o governo.
No início do mês passado, quando a então presidente da Petrobras, Graça Foster, e outros cinco diretores da companhia renunciaram a seus cargos, o nome de Murilo Ferreira foi alçado como favorito do Palácio do Planalto para assumir a estatal de petróleo, que enfrenta a pior crise de sua história.
Ferreira foi convidado, mas recusou, alegando que a Vale também passa por um período crítico, devido à queda do preço do minério de ferro no mercado internacional.
CASA EM ORDEM
O ex-presidente Lula defendia que o substituto de Graça Foster fosse um nome respeitado na iniciativa privada e que contribuísse para pôr as contas em ordem e restaurar a credibilidade da empresa.
Vários nomes foram cogitados, como Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Leme, do Goldman Sachs. A saída foi buscar uma solução interna, o então presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine.
Bendine estava enfraquecido após reportagens da Folha revelarem uma autuação da Receita Federal por não comprovar a origem de parte do seu patrimônio e por ter sido acusado por um ex-motorista do banco de transportar e fazer pagamentos com altas somas em dinheiro vivo.
O BB também concedeu empréstimo milionário, a juros subsidiados pelo governo, para a socialite Val Marchiori, amiga de Bendine.
Sua nomeação foi malvista pelo mercado financeiro, com as ações da petrolífera tendo registrado forte queda no dia de sua indicação. Assim, o governo continuou a precisar de um nome respeitado no mercado, para “profissionalizar” a companhia.
Como Ferreira não aceitara a presidência da empresa, o governo voltou a sondá-lo, dessa vez para assumir a presidência do Conselho.
O cargo continua a ser ocupado pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, mas interinamente.
PROJETOS EM COMUM
Parcerias entre a Vale e a Petrobras
1 – mina de potássio
Em 2012 as duas empresas renovaram concessão da mina de potássio que fica em Sergipe. As reservas são da petroleira, mas a operação está com a Vale desde 1992. É a única mina de potássio (insumo para fertilizantes) do país
2 – terminal marítimo Inácio Barbosa
Por 12 anos a Vale operou diretamente o terminal localizado em Sergipe e que pertence à Petrobras. Em 2014, a operação foi transferida à VLI (empresa de logística que tem a Vale como principal acionista). A concessão é por 25 anos
3 – fábrica de fertilizantes
Em 2013, a Vale concluiu a venda de uma unidade de processamento de fertilizantes no Paraná para a Petrobras. O valor do negócio foi de US$ 234 milhões, pago com os royalties a serem recebidos pela concessão da mina em Sergipe
O QUE DIZ A LEI DAS S.A.
Capítulo “Dever de lealdade”
Conflito de interesses
Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores (…)
*
BRF VIVEU CASO SEMELHANTE COM ABILIO DINIZ NO PÃO DE AÇÚCAR
Um caso semelhante, mas de natureza diversa, ocorreu em 2013 na BRF, formada pela incorporação da Sadia pela Perdigão.
Em abril daquele ano, houve uma assembleia de acionistas para eleger o empresário Abilio Diniz para a presidência do conselho de administração da empresa. Ele ocupava a mesma função no grupo Pão de Açúcar.
Abilio foi eleito, mas não por unanimidade, o que nunca havia ocorrido desde que a BRF fora criada, quatro anos antes.
Um grupo de acionistas minoritários, representado na ocasião pelo advogado Rafael Rocha, votou contra a indicação de Abilio por prever conflito de interesses.
Na época, Rocha disse que não seria possível votar num presidente de conselho que teria de se abster de votar em questões importantes para a companhia.
O empresário vendeu o Pão de Açúcar ao grupo francês Casino em 2005, mas só passou o comando em julho de 2012 e saiu do conselho de administração em 2013, pouco depois de assumir a função na BRF.
A permanência de Abilio nos conselhos do Pão de Açúcar e da BRF nesse período também foi questionada pelo Casino, que alegou conflito de interesse e potencial fonte de disputa com concorrentes e fornecedores.
Fonte: Uol