Em um dia do tradicional Prêmio da Música Brasileira, no Teatro Municipal do Rio, Zeca Pagodinho foi ensaiar com sua banda, à tarde, no suntuoso palco, para se apresentar à noite no evento. Tudo ok, ele atravessou a Praça Floriano e bateu à porta de outro teatro, o Rival Petrobras, também na Cinelândia.
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— “Cumadi! Cumadi!”, escutei alguém chamando. Eu estava no escritório e reconheci a voz do Zeca. Me surpreendi, porque ele não se apresentava mais no Rival, já pequeno para seu público numeroso. E ele: “Cumadi, deixa eu ficar aqui? Eu já ensaiei no Municipal, ali é muito bonito e tal, mas não é a minha cara”. De chinelinho e bermudinha, se sentou no nosso camarim, pôs as pernas para o alto e ficou tomando a sua cervejinha, até que foram buscá-lo. Ele agradeceu e se despediu. Esse é o Zeca — relembra, afetuosa, Angela Leal, diretora da casa de espetáculos.
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Neste 22 de março, o Teatro Rival Petrobras chega aos seus 90 anos de existência e resistência na vida cultural do Rio. Zeca e sua madrinha do samba, Beth Carvalho, que ali tanto se apresentou, serão homenageados, passando a fazer parte da galeria de fotos da casa. Além disso, o Quarteto de Cordas do Instituto Zeca Pagodinho, que ele mantém em Xerém, na Baixada, se apresentará na festa de aniversário, a partir das 20h. E mais: 14 grandes intérpretes vão celebrar os dois sambistas: entre elas, Áurea Martins, Dorina, Emanuelle Araújo, Nilze Carvalho, Roberta Sá e Teresa Cristina. As artistas serão acompanhadas por Carlinhos 7 Cordas, Rodrigo Jesus, Bruno Barreto, Alessandro Cardozo, Dudu Oliveira, Hudson e Basílio. Apenas 80 convites estão à venda para a grande noite, a partir de R$ 45 (meia-entrada).
— O valor dos ingressos no Rival sempre foi abaixo dos de diversas outras casas. Agora, vai ser mais. Teremos cem shows com 20% do teatro (70 lugares) ao valor correspondente a 3% do salário mínimo (R$ 39,60). Isso proporciona o acesso à cultura, que muitos não têm. Agora terão — enfatiza Angela sobre o Festival Teatro Rival 90, programação comemorativa do espaço.
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Relembre histórias que marcaram esse importante espaço das artes:
Zeca Pagodinho em início de carreira no palco do Teatro Rival Petrobras — Foto: Zeca Fonseca/Agência O Globo
Zeca Pagodinho teve só 16 pagantes no primeiro show
“Aquela estreia foi muito bacana, não só por causa da reação do público, mas também pela presença de vários amigos da música”, lembra Zeca Pagodinho, que ainda jovem e desconhecido inaugurou a nova fase do Teatro Rival, na década de 1980, com espetáculos musicais. “Na primeira noite, a casa ficou cheia de convidados, porque o mundo do samba queria vê-lo. Mas de pagantes mesmo, foram só 16. No segundo, já foram 50, no terceiro, 150… Depois passou a ter fila na porta, gente brigando por ingresso, e ele ganhou o mundo”, conta Angela Leal, toda orgulhosa por ter ajudado a impulsionar a carreira do amigo bamba.
Zélia Duncan na primeira live da pandemia da Covid, transmitida do Teatro Rival Petrobras — Foto: Reprodução
Zélia Duncan fez a primeira live musical da pandemia da Covid
“O querido Teatro Rival está na minha biografia, como artista e como público. E me marcou de forma inesperada quando (em 13 de março de 2020) eu já tinha passado o som, todos os ingressos vendidos, e chegou o decreto do então governador dizendo que não poderia haver apresentação (por causa da pandemia da Covid. Foi chocante. Eu propus que a gente se arrumasse e fizesse o show como se tivesse plateia e tentasse transmitir. Não havia um bom sinal de internet, mas essa foi uma das primeiras lives do Brasil”.
A cantora Angela Ro Ro — Foto: Divulgação
Angela Ro Ro viu Edson Cordeiro de cueca branca na coxia
“No final da década de 1980, eu fui sortuda de acompanhar o início da carreira do cantor pop erudito Edson Cordeiro no Rival. Um dia, Edinho foi me visitar no meu camarim antes do show dele, eu já tinha me apresentado. E ele veio todo arrumado, só que se esqueceu de botar as calças, estava com uma cueca branca samba-canção. Ah, foi muito divertido! A gente andava para um lado e outro da coxia, brincando, dançando, ele sempre respeitoso. Eu acompanho com orgulho a carreira internacional dele como uma irmã mais velha”.
Arlindo Cruz e Arlindinho — Foto: Blad Meneghel/Divulgação
Letras de sambas de Arlindo Cruz copiadas em mimeógrafo
“Arlindo ficou dez anos se apresentando no Teatro Rival. No início, eu levava um mimeógrafo para fazer cópias das letras de música dele e distribuir na plateia. Eram sambas inéditos que ele lançou nesse teatro e hoje são verdadeiras obras-primas. Isso o encorajava para que pudesse sair cantando mundo afora. Então, o Teatro Rival foi um laboratório de coragem para Arlindo, logo após a saída dele do Fundo de Quintal e a separação da dupla Arlindo Cruz e Sombrinha. Foi um oxigênio de autoafirmação”, conta Babi Cruz, mulher de Arlindo Cruz.
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Arlindinho caiu no palco com bolo de aniversário nas mãos
“Eu me lembro que uma vez, na comemoração de um aniversário do meu pai (Arlindo Cruz) no Rival, eu fui entrar com um bolo e caí em pleno palco. Foi engraçado, uma cena inusitada, mas o bolo ficou de pé, pelo menos. E teve a emoção de esse ter sido o primeiro palco onde eu cantei na minha vida, ao lado do meu pai. Essas duas emoções vividas ali naquele lugar especial, eu jamais vou esquecer, uma engraçada e outra emocionante”, recorda-se Arlindinho.
Rita Benneditto no show “Tecnomacumba” — Foto: Rogério von Krüger/Divulgação
Rita Benneditto apresentou show ‘Tecnomacumba’ de 15 em 15 dias
“O Rival foi o lugar que escolhi para lançar meu terceiro disco, ‘Comigo’, com participações da minha conterrânea Alcione, de Celso Fonseca… Depois disso, fui chamada para mostrar ‘Tecnomacumba’ a partir de 2003. Fiquei quatro anos fazendo uma residência no teatro, de 15 em 15 dias. Digo que Angela Leal é Madrinha do Tecnomacumba, porque ela ficou tão apaixonada pelo projeto que criou uma categoria chamada ‘Aval do Rival’, na época, no Prêmio Rival Petrobras para contemplar o show”, conta Rita Benneditto.
Susana Vieira sendo coroada Rainha dos Gays por Jane Di Castro, Rogéria e Ruddy — Foto: Ricardo Leal/Divulgação
Susana Vieira coroada Rainha dos Gays
“Quando fiz ‘A próxima vítima’ ( 1995), meu filho na novela (Sandro, vivido por André Gonçalves) era gay, e foi muito especial. Nesse trabalho, os gays e suas mães se sentiram acolhidos pela minha personagem. Na vida real, nunca foi diferente. Acho que se identificam comigo pela troca mútua de respeito, carinho e admiração. Fui coroada por Rogéria, Jane (Di Castro) e Ruddy (na época, minha cabeleireira) como Rainha dos Gays neste teatro, mas sou sempre a rainha deles nas paradas gays”, afirma Susana Vieira.
O cantor Chico Chico com Angelo Oliveira, recepcionista do Teatro Rival Petrobras há quase 30 anos — Foto: Divulgação
Chico Chico: presença desde a infância, acompanhando Cássia Eller
Atualmente considerado uma grande revelação da nova MPB, Chico Chico já subiu ao palco do Teatro Rival Petrobras para se apresentar algumas vezes. Na mais recente, recebeu a visita de Leandra Leal no camarim. A atriz, herdeira do espaço, lembrou que quando criança o filho de Cássia Eller vivia correndo pela coxia e ao redor das mesas. Chico também tem grande simpatia pelo recepcionista Angelo Oliveira, que trabalha no Rival há quase 30 anos.
Leandra Leal apresentando o projeto “Rival Rebolado” — Foto: Marcos de Paula/Agência O Globo
Leandra Leal revisitou teatro de revista com drags
Em 2016, Leandra Leal decidiu reviver os tempos do teatro de revista no espaço com o “Rival Rebolado”. O projeto se propôs a manter a chama do desbunde, da vanguarda e da transgressão acesas na Cinelândia. A diversidade foi um dos temas relevantes, levado à cena pela linguagem do humor, do burlesco e do improviso, com concurso de drag queens e videoquê, entre outras atrações.
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