O avanço das investigações sobre uma suposta trama golpista no governo de Jair Bolsonaro evidenciou a atuação de duas forças distintas no entorno do então presidente no fim de seu mandato. De um lado, um grupo de assessores e militares é apontado pela Polícia Federal (PF) como responsável por incentivar e discutir formas de colocar em prática medidas que previam uma ruptura institucional após as eleições de 2022. Do outro, uma ala menos numerosa resistia às intenções antidemocráticas do ex-presidente.
Essa divisão foi exposta nos relatos dos ex-comandantes Marco Antônio Freire Gomes, do Exército, e Carlos de Almeida Baptista Júnior, da Aeronáutica, tornados públicos na sexta-feira. Os dois disseram à PF fazer parte do segundo grupo, que demonstrou a Bolsonaro contrariedade em relação ao plano de reverter a vitória do presidente Lula nas urnas. Na versão apresentada por eles, o colega de farda Almir Garnier, ex-chefe da Marinha, engrossou o coro daqueles que defenderam um suposto golpe ao colocar à disposição as suas tropas para uma medida antidemocrática. Garnier ficou em silêncio em seu depoimento.
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Uma das peças-chave dessa investida, segundo depoimentos e mensagens apreendidas pela PF, é o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e que foi vice na chapa de Bolsonaro à reeleição em 2022. Investigadores apontam o militar de quatro estrelas como responsável por estimular ataques contra colegas da caserna que resistiam à ofensiva golpista. Em uma delas, proferiu xingamentos a Freire Gomes, a quem chama de “cagão” após o ex-comandante do Exército se manifestar de forma contrária aos planos de Bolsonaro.
Braga Netto também é citado em depoimentos como quem intermediava os contatos do Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro se refugiou após a derrota eleitoral, com manifestantes acampados em frente a quartéis do Exército.
‘Virar a mesa’
Outro militar com destaque nas Forças Armadas e que, segundo as investigações, flertou com o golpismo, foi o general da reserva Augusto Heleno. Vídeo de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto, em julho de 2022, mostra o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) afirmando que se “tiver que virar a mesa é antes das eleições” e que era necessário agir “contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”.
Na lista de generais sob suspeita está ainda Paulo Sérgio Nogueira, que chefiou o Exército e foi ministro da Defesa no governo passado. Segundo a PF, o militar teria manipulado o relatório da pasta sobre o sistema eleitoral, postergando a divulgação depois que não foram identificadas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.
A participação desses generais na suposta trama golpista só não é maior da exercida pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que firmou um acordo de delação premiada, homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O militar faz-tudo acompanhava os passos do ex-presidente, exercendo influência e municiando o ex-mandatário com “desinformação e ataques ao sistema eleitoral”, segundo a PF.
O avanço das investigações aponta que o grupo que insuflava um plano golpista era formado também por civis. O depoimento de Baptista Júnior, por exemplo, cita um suposto esforço da deputada Carla Zambelli (PL-SP) para convencê-lo a apoiar a quebra institucional. “Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão”, disse ela, segundo trecho do depoimento do militar à PF. Em nota, a defesa da deputada afirmou que “jamais anuiria, pediria ou solicitaria algo irregular, imoral ou ilícito”.
Os depoimentos e indícios colhidos pela PF até o momento também indicam que duas alas inicialmente antagônicas no governo Bolsonaro, os militares e os chamados ideológicos, acabaram por se unir levar adiante um suposto plano antidemocrático. Um dos auxiliares mais radicas do entorno do ex-presidente, o ex-assessor especial da Presidência Filipe Martins é apontado como responsável por elaborar uma minuta de decreto golpista que, mais tarde, seria apresentada por Bolsonaro aos chefes militares, segundo o relato de Cid.
Procuradas, as defesas de Bolsonaro, dos militares citados e de Martins não se manifestaram.
Grupo opositor
Do outro lado da balança, a investigação indica que um grupo considerado mais legalista atuou no sentido contrário, evitando iniciativas que pudessem levar o país ao rompimento institucional. Freire Gomes, por exemplo, chegou a ameaçar Bolsonaro de prisão, caso o então presidente prosseguisse com o plano de golpe de Estado, segundo o relato de Baptista Júnior.
Quem também é citado pelo ex-chefe da Aeronáutica como voz contrária às intenções golpistas de Bolsonaro é o ex-ministro da Advocacia-Geral da República (AGU) Bruno Bianco. Baptista Junior relatou que “Bolsonaro perguntou ao AGU se haveria algum ato que poderia fazer contra o resultado das eleições”. A resposta de Bianco, segundo o Brigadeiro, foi que as eleições haviam “transcorrido de forma legal” e que “não haveria alternativa jurídica para contestar o resultado”. A pessoas próximas, Bianco diz que foi procurado mais de uma vez pelo entorno do então presidente para consultas sobre as alternativas jurídicas, mas que sempre se pautou pela Constituição Federal.
Fora do foco das investigações, o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira é outro incluído na ala dos “moderados”. Ele chegou a relatar, em entrevista ao GLOBO, episódio no qual convenceu Bolsonaro a desestimular o bloqueio de rodovias com o argumento de que pessoas começariam a morrer por falta de oxigênio nos hospitais — caminhoneiros protestavam contra o resultado da eleição. O apelo levou o presidente a liberá-lo a iniciar a transição de governo.
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