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Tráfico e milícia têm até IPTU e ITBI próprios para expandir negócios ilegais

Moradora de uma comunidade na Zona Oeste, X. usava um espaço em seu quintal para aumentar a renda familiar, cuidando da estética de pés e mãos de suas clientes. A manicure, no entanto, foi obrigada a fechar o seu negócio. A interrupção foi uma determinação de milicianos. Eles não autorizaram que X. explorasse a atividade na região, já entregue pelo bando a outras pessoas mediante pagamentos quinzenais de R$ 50. A cobrança que permite a exploração do serviço é apelidada por moradores de “taxa da beleza”.

A exigência é apenas uma das novas formas de arrecadação estipuladas pelo crime organizado em comunidades da Zona Oeste do Rio e da Baixada Fluminense que têm sido investigadas pela polícia. Informações recebidas pela Promotoria de Investigação Penal de Itaguaí, por promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e ainda por policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE) revelam que, para expandir o lucro com negócios irregulares, tanto a milícia como o tráfico têm estipulado cobranças variadas em territórios controlados respectivamente pelos dois grupos criminosos.

Até 10% da venda

As áreas deste tipo de atuação são favelas de Jacarepaguá, Itanhangá, Bangu e Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, e ainda em localidades de Nova Iguaçu, Seropédica, Itaguaí e Queimados, na Baixada Fluminense. Entre as novas práticas de extorsão estão a obrigatoriedade de recebimento de até 10% sobre a venda de imóveis em algumas comunidades. A modalidade ganhou o apelido de “ITBI do crime”, numa referência ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, cobrado por prefeituras para a transferência de propriedade de uma pessoa para outra.

E não é só. As denúncias também relatam a existência de taxas para permitir o funcionamento de placas solares em áreas rurais. A cobrança semelhante à de um IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano cobrado por cada município) pode chegar a R$ 5 mil por ano. Quem não paga tem o equipamento destruído por milicianos ou traficantes.

— Tudo é feito para angariar dinheiro. Tanto o tráfico como a milícia fazem o mesmo. Se entendem que um produto é lucrativo, eles (bandidos) escolhem fornecer o produto com monopólio ou cobrar taxas de quem o comercializa — explicou um agente que investiga a prática.

‘Taxa de ajuda’

Outra cobrança imposta pelo crime é a “taxa de ajuda”. Trata-se de um tipo de extorsão praticado contra moradores na Zona Oeste e que já vigora em algumas localidades, como uma favela de Bangu.

— De ajuda não tem nada. É apenas mais uma taxa imposta pelos criminosos. Há uma investigação em curso sobre isto — disse outro policial.

Levantamento feito pelo Disque Denúncia (2253-1177) também mostra o incremento e a expansão das extorsões praticadas por traficantes e milicianos na Região Metropolitana. Só entre 2022 e fevereiro de 2025 foram recebidas 1.383 denúncias de cobranças irregulares em comunidades de Santa Cruz e nas cidades de Seropédica e Itaguaí.

Entre essas informações nas regiões citadas, estão extorsões praticadas contra moradores de condomínios de conjuntos habitacionais. Em alguns casos, as vítimas chegam a pagar um valor total mensal de até R$ 4 mil. Assim, a milícia ou tráfico, conforme o respectivo território controlado, proíbe a entrada de funcionários de concessionárias de serviços públicos e passa a cobrar taxas de fornecimento de luz e também de água.

Alguns rostos conhecidos estão por trás das novas cobranças, de acordo com a Polícia Civil e com o Ministério Público do Rio de Janeiro. Em Santa Cruz, Campo Grande e em parte de Itaguaí, as extorsões são executadas por remanescentes do bando de Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, que se entregou à Polícia Federal em dezembro de 2023. Um dos responsáveis por assumir uma parte dos negócios de Zinho é o miliciano Paulo David Guimarães Ferraz da Silva, o Naval. Segundo investigações da Draco, ele chefia a milícia nas favelas do Aço e de Antares, em Santa Cruz.

Já as cobranças em territórios dominados pelo CV seriam ordenadas por Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso. Apontado como da cúpula do Comando Vermelho, ele é considerado foragido da Justiça.

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