Montesquieu, no O Espírito das Leis, enunciou o princípio da separação entre os Poderes como um dos fundamentos da democracia, com seu sistema de freios e contrapesos (check and balances). Quando as funções do poder público são repartidas entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, a democracia impede que decisões autoritárias sejam adotadas, sem possibilidade de reversão. Isso possibilita um controle mais adequado da sociedade civil sobre o Estado.
Na Constituição de 1988, essa separação é muito relevante. Aparece em dispositivos como os vetos presidenciais a decisões do Congresso por estreita maioria, o impeachment do presidente da República por crime de responsabilidade e a forma como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são escolhidos, por indicação do presidente e homologação do Senado.
Entretanto, a Constituição de 1988 atribui ao Supremo o duplo papel de última instância do sistema judiciário e de Corte Constitucional, a qual cabe analisar a compatibilidade de atos normativos, leis e sentenças emanados pelos Três Poderes em relação à Constituição Federal. São as cláusulas pétreas enumeradas no art. 60, §2ª, incisos I e III, da Carta Magna — entre as quais, a forma federativa de Estado e a separação dos Poderes. Uma emenda constitucional que pretenda abolir tais institutos é inconstitucional na sua origem.
Desde as eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito à Presidência, o STF está sob forte ataque. No governo passado, havia um projeto “iliberal” de poder, cujo êxito dependia da subordinação do Supremo ao Executivo. Seria o primeiro passo para um regime no qual o direito ao dissenso, o respeito às minorias e a alternância de poder deixariam de existir.
Administrar (Executivo), legislar (Congresso) e julgar (Supremo) são atribuições distintas e separadas dos Poderes da República, que precisam ser revigoradas sempre que houver a pretensão de se estabelecer um poder dominante sobre o outro. Não existe um poder moderador, o Supremo só tem o poder de revogar decisões dos demais Poderes quando há inconstitucionalidades e a democracia está ameaçada.
O polêmico inquérito das fake news, a cargo do ministro do STF Alexandre de Moraes, somente existe porque havia essa ameaça durante o governo Bolsonaro. Se ainda há dúvidas sobre a constitucionalidade de sua origem, sua existência foi legitimada pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Os episódios lamentáveis de vandalismo demonstraram, na prática, que havia uma ameaça não somente ao recém-empossado presidente Lula, mas também ao Legislativo e ao Judiciário, cujos palácios foram igualmente invadidos e depredados.
Os dois assuntos políticos em mais evidência na semana que passou têm a ver com o equilíbrio entre os Poderes. A Câmara dos Deputados aprovou a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão, acusado pela Polícia Federal de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, mas houve risco de que a decisão da Primeira Turma do Supremo fosse revogada. Seria uma lamentável instrumentalização da Câmara para confrontar o Supremo num caso criminal, que representa o que há de mais abjeto, covarde e criminoso na política: a execução de adversários políticos.
O outro episódio é a polêmica entre o bilionário sul-africano Elon Musk, dono da Tesla, da SpaceX e do X (ex-Twitter), e ministro do Supremo, em razão de decisões judiciais no âmbito do inquérito das Fake News com objetivo de barrar o incitamento ao ódio e atentados contra a democracia. A virulência dos ataques do empresário à Corte Constitucional e seu apoio a articulações antidemocráticas no Brasil reforçam a necessidade de que os Poderes da República mantenham relações de equilíbrio, harmonia e independência entre si.
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