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“Fui o primeiro jornalista preso pelo Alto Comando Revolucionário”, diz Cony

comunicolândia1
“Posto em sossego por uma cirurgia e suas complicações, eis que o sossego subitamente se transforma em desassossego: minha filha surge esbaforida dizendo que há revolução na rua”. As palavras são do jornalista Carlos Heitor Cony, escritas na crônica “Da Salvação da Pátria”, a primeira de muitas que atacariam a ditadura militar que se instaurava no País. Algumas delas foram reunidas no livro “O Ato e o Fato: O Som e a Fúria do Que se Viu no Golpe de 1964”, que a Nova Fronteira, do Grupo Ediouro, relança este mês.
Jornalista como foi perseguido pela ditadura após o Golpe Militar
Era 1º de abril de 1964. Na companhia do poeta Carlos Drummond de Andrade, Cony presenciou a tomada do Forte de Copacabana pelos militares golpistas que defendiam o Palácio da Guanabara —casa do governador oposicionista Carlos Lacerda. O presidente João Goulart tinha sido deposto e a população ainda não sabia o que estava acontecendo.
Na quarta reportagem especial sobre o envolvimento dos meios de comunicação no regime, o cronista visto como “alienado” a assuntos políticos, fala sobre o que viu, o que passou e como avalia a atuação da imprensa na época.
IMPRENSA: Onde o senhor estava e como reagiu ao Golpe?
Carlos Heitor Cony – Trabalhava no Correio da Manhã. O jornal estava em uma campanha violenta contra o João Goulart, mas eu não fazia parte dessa campanha e não entrava na parte política, eu evitava. No dia 1º de abril eu fui com o Carlos Drummond de Andrade até a praia e assistimos a tomada do Forte Copacabana. Havia esperança de que seria o último reduto do governo do Jango e não houve reação nenhuma. Já no dia 2 de abril, escrevi a primeira crônica contra o Golpe e fui o realmente o primeiro jornalista a se colocar contra ele.
Depois disso, veio o Alto Comando Revolucionário e decretou o Ato Institucional número 1 (AI-1), que era a “legalização” do Golpe. Quando saiu meu livro, “O Ato e o Fato”, fui processado pelo então ministro da guerra Costa e Silva, pela Lei de Segurança Nacional. Ia ser condenado há 30 anos, mas consegui o habeas corpus. A Justiça ainda estava funcionando. Colocaram-me na Lei de Imprensa, que também tinha um artigo igual, promovendo dissidentes entre civis e militares. Então, eu fui preso.
Quantas vezes o senhor foi preso?
Fui preso seis vezes. Fui o primeiro jornalista preso pela autoridade maior de todas [o ex-ministro Costa e Silva]. Na primeira vez, eu peguei pena de 30 anos. Quando meu processo passou para a Lei de Imprensa, fui condenado a seis. Mas na metade da pena, eu tive bom comportamento e me soltaram. Aí foi o período em que eu tive de pedir demissão do jornal, minhas filhas iriam ser sequestradas, nesse meio tempo também escrevi outras crônicas.
Em novembro de 1965, também em companhia de Antonio Callado, Glauber Rocha, Márcio Moreira Alves, Joaquim Pedro de Andrade, Flavio Rangel, Mario Carneiro e Jayme Azevedo Rodrigues, fomos presos durante uma manifestação no Hotel Glória e levados para lá provisoriamente, até que nos trancafiaram por uns tempos no quartel da PE da rua Barão de Mesquita.
Eu queria sair do País, não havia sido exilado. Não tinha condições de viver aqui. Recebi um convite para ir como júri à premiação Casa de las Américas, em Cuba. Fiquei lá um ano e três meses e quando voltei, fui detido novamente. Depois disso eu fui preso no dia do AI-5, à noite. Fui ao cinema e voltando para casa o edifício em que eu morava estava cercado.
Como avalia o papel da imprensa no Golpe?
Praticamente o único jornal que durou na luta foi o Correio da Manhã e, basicamente, por meu intermédio. Depois outros redatores do Correio também começaram a escrever contra, como Márcio Moreira Alves. A Última Hora, do Samuel Wainer, também fez críticas, mas era um jornal comprometido com o governo de Goulart. Para fazê-lo, o Getúlio [Vargas] mandou o Banco do Brasil dar uma fortuna para o Wainer. Era um jornal rico. Enquanto os outros jornais buscavam anúncios, ele estava nadando em dinheiro.
A reação da Última Hora estava comprometida, defendendo a si mesma. Já o Correio da Manhã, até o dia 1 de abril, era contra o João Goulart. Tanto que fez dois editoriais no dia 31 de março e no dia 1º de abril. Foi o “Basta e o Fora”. Ele teve a coragem de fazer um editorial. Não fui eu quem fiz o editorial. Era o pedido para os militares derrubarem o João Goulart. No dia 2, eu já estava criticando e mudei a posição do Correio da Manhã que passou, através se outros jornalistas importantes, a criticar o regime. A situação durou durante quase dois anos, depois outros jornais entraram na luta. Em linhas gerais, a imprensa, a igreja e as Forças Armadas apoiaram o Golpe.
Quais foram os prejuízos da censura ao jornalismo naquela época?
A censura foi feia a partir do AI-5. Antes de 68 ainda havia habeas corpus e os jornais se censuraram porque quiseram, havia uma autocensura dos jornais e dos jornalistas. Eu, por exemplo, escrevi quase todos os dias, até o AI-5. Eu chamei o Costa e Silva de burro, o Castello Branco de alguma coisa ofensiva. Eu fui incomodado depois do ato.
Como foi utilizar da capacidade da crônica em dialogar com leitor para promover a resistência ao movimento autoritário?
Minhas crônicas até o dia 1º  de abril eram cenas de rua, literatura e cinema. Eu era um cronista “alienado”, não entrava na política. Depois critiquei muito o regime. As crônicas então foram publicadas no livro.
O senhor lembra de algum caso curioso ou marcante que ocorreu nas redações?
O interessante foi o próprio golpe. Até dezembro de 68, quem queria escrever contra poderia fazê-lo. O problema é que após o AI-5, fecharam-se todas as portas. A única maneira de combater a revolução seria a luta armada. Nessa mesma época, o pessoal do Jornal do Brasil, a diretoria toda e os principais redatores, fizeram o livro “Os Idos de março e a queda em abril”, que era a favor do golpe e muitos jornais como o Estadão, O Estado de Minas, A Tarde, a imprensa toda, com exceção do Correio da Manhã, e depois, da Última Hora, apoiaram o golpe.
Fonte: Portal Imprensa

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