Cada dia é mais difícil avaliar a confiabilidade dos meios de comunicação na Ucrânia. Com o país à beira de uma guerra civil, tanto o governo nacional quanto Moscou tentam influenciar a cobertura do conflito pela imprensa.
Assim, além dos choques entre forças separatistas e governamentais, no leste do país, também se trava uma batalha pelo direito de interpretação dos eventos ligados aos conflitos. Por exemplo: enquanto o governo ucraniano interino presume a presença de soldados russos camuflados entre os separatistas, a Rússia classifica a liderança em Kiev como “fascistas” e “governo golpista” ilegítimo.
Liberdade de imprensa ameaçada
“A mídia russa descreve o conflito de modo fundamentalmente diverso da mídia da Ucrânia”, relatou a blogueira ucraniana Oksana Romaniuk aos participantes do debate promovido pela Deutsche Welle em Berlim, no contexto da conferência re:publica, sobre sociedade digital.
A ativista está convencida de que a propaganda maciça do Kremlin ameaça a liberdade de imprensa em seu país, e que o presidente Vladimir Putin investe muito dinheiro em artigos fictícios, e até mesmo em comentários nas redes sociais.
Ela é contestada pela russa Alena Popova, sua interlocutora no debate. “Ninguém sabe exatamente o que está por trás dessas opiniões. É difícil dizer se são extremistas isolados ou se é de fato uma ação coordenada do governo”, afirmou a também ativista e blogueira.
Popova também reforça que há uma diferença entre o governo russo e a população do país. “Temos uma sociedade civil forte, que apoia os ucranianos e não os vê como inimigos. São os políticos que tentam instrumentalizar as diferenças para seus próprios fins.”
Mídias sociais e streamers
Não se discute, entretanto, que vários canais de televisão russos, como o Russia Today, financiado pelo Estado, propositalmente agitam contra o novo governo em Kiev, acirrando os ânimos. E é justamente através dessas emissoras que a grande maioria da população da Ucrânia Oriental se informa.
Nesse contexto, explica Romaniuk, cresce a importância das mídias sociais que “já desempenharam um papel importante na organização da revolução na Maidan”, a Praça da Independência em Kiev, epicentro dos protestos contra o então presidente, o pró-russo Viktor Yanukovytch.
“Os cidadãos utilizam agora essas mídias para se manterem informados”, comenta a ativista. A comunidade EuroMaidan, na rede social Facebook, é um fóruns desses. Estabelecida em novembro de 2013, no início dos protestos em Kiev, ela constitui até hoje um instrumento central de intercâmbio e organização do movimento pró-ucraniano.
Uma segunda fonte confiável de informações para a população são as mídias locais, explica Romaniuk. Elas falam a língua do povo, estão próximas dos acontecimentos e têm a capacidade de rebater boatos rapidamente.
Um fenômeno totalmente novo na Ucrânia são os assim chamados “streamers”. Trata-se de jornalistas-cidadãos, na maioria jovens, os quais – com câmeras de telefones celulares ou outros equipamentos simples – filmam, por exemplo, os confrontos entre policiais e manifestantes na Praça da Independência.
Disponibilizando os vídeos ao vivo em seus websites (live streaming), “os streamers arriscam suas vidas para mostrar a verdade aos seus expectadores e desmascarar notícias falsas”, louva Romaniuk.
A ativista e blogueira russa Popova também enfatiza a importância dos streamers ucranianos. “Nesta situação, as pessoas devem se afastar da mídia financiada pelo Estado e tentar encontrar jornalistas-cidadãos em que confiem.”
Apelo à imprensa internacional
Ambas as blogueiras apelam igualmente à imprensa internacional para que noticie os conflitos com responsabilidade, trazendo à desinformação disseminada pela propaganda. “Para os ucranianos, as notícias vindas de fora são muito importantes, pois se espera que os jornalistas estrangeiros sejam independentes”, diz Romaniuk. Ela conclama os repórteres internacionais a irem à Ucrânia, apesar da situação perigosa, para formarem sua própria opinião.